O design NÃO É arte! (E você deveria agradecer por isso.)
Por favor, deixe seu ego no bagageiro antes de embarcar nesta leitura. Eu não pretendo dizer que você, designer, não é um artista. Eu jamais poderia fazer uma afirmação tão ousada!
A verdade é que não é incomum que designers compartilhem características e atributos que são o alicerce de um artista:
todos nós somos criativos, todos nós somos curiosos, todos nós queremos nos expressar, e tal como pintores renascentistas, fazemos isso através das formas e das cores, das palavras ditas e das não mencionadas.
Mas precisamos entender: isso fala muito mais sobre nós do que sobre a área, e comparados ao oceano gigante do design, nós somos apenas peixinhos dourados.
Vou separar esse artigo em três sessões:
1 — As diferenças entre o design e a arte;
2 — Por que você deveria agradecer por isso;
3 — Conclusão para os designers-artistas;
Agora chega dos aperitivos e vamos ao prato principal:
1 — As diferenças entre o design e a arte
A matéria-prima da arte é o sentimento e todas as incertezas que o acompanham.
Quem pode dizer com clareza qual era o objetivo de Leonardo Da Vinci ao pintar a ‘Mona Lisa’? Quem pode dizer com clareza quais sentimentos domavam o jovem Basquiat quando pintava suas caveiras? É claro que podemos (e devemos) especular sobre. Mas é impossível retirar da arte o direito à interpretação pessoal.
O mesmo tom de azul pode nos trazer sentimentos diferentes, e uma obra que me faz rir poderia te fazer chorar.
A incerteza é uma das principais belezas da arte.
Do outro lado da moeda, a matéria-prima do design é a certeza e o objetivismo.
Não criamos uma marca pensando em como estamos nos sentindo, não podemos nos dar ao luxo de enxergar as incertezas do sentimento.
Pelo contrário, quando trabalhamos com o design, nossa função se torna muito similar à de um drone: devemos sobrevoar, nos distanciar e enxergar as coisas pelo que elas são, e não pelo que queríamos que fossem.
Por mais belo que seja seu layout, ele precisa cumprir um objetivo claro e passar a mensagem que você precisa passar. O direito à interpretação pessoal ainda existe aqui, seu cliente (ou o cliente do seu cliente) ainda vai ter a possibilidade de interpretar aquele layout do jeito que ele quiser.
Mas, enquanto na arte “é impossível retirar o direito à interpretação pessoal”, como comunicadores, esse se torna nosso principal foco.
Utilizamos a psicologia, as pesquisas, a neurologia e diversos campos científicos como “limitadores”. Eles nos dizem que caminho é, provavelmente, o mais “certo” e nos apegamos a esse caminho para garantir que a mesma mensagem possa ser transmitida para o máximo de pessoas possível.
Entende como, mesmo sendo áreas parecidas, o design e a arte vão em direções e objetivos completamente opostos? As incertezas no design são um luxo exclusivo do seu cliente, e é seu papel expressar de forma clara e coesa o que ele, com todos os seus sentimentos, não é capaz de fazer.
2 — Por que você deveria agradecer por isso
Imagine o seguinte: seu cliente te contrata para criar a identidade visual da marca dele, sem briefings e “limitadores” dessa vez, ele apenas descreve como se sente e como quer que seu público-alvo se sinta a respeito da marca.
Você agora trabalha como um artista, e coloca mais uma pitadinha dos seus próprios sentimentos no projeto. Seja honesto consigo mesmo, quais as chances de que, no meio desse telefone sem fio, o sentimento que o cliente quer passar seja igual aos seus sentimentos e aos sentimentos que o público-alvo deveria ter?
Nesse cenário, a tendência é que você refaça o mesmo projeto dezenas de vezes e mesmo assim, ele jamais funcione como deveria.
Devemos ser gratos pelo design não ser arte, pois se ele fosse, ele deixaria de existir junto com a sua comunicação. O caos substituiria a estratégia e os resultados abririam espaço para a insatisfação.
3 — Conclusão para os designers-artistas
Novamente, não cabe a mim dizer se você é ou não um artista, afinal, eu comecei a minha jornada como artista muito antes de me tornar um designer.
Mas se você, assim como eu, é um designer e um artista, ser maduro o suficiente para ser capaz de separar as suas funções é o passo fundamental para que você possa cumprir ambas da melhor forma.
Seja capaz de sentir, quando você precisar sentir, mas seja igualmente capaz de se distanciar e enxergar o projeto de cima, quando você precisar ser objetivo.
E se aceitar um último conselho pessoal, não se apegue tanto ao termo “artista”, no fim do dia é só uma palavra bonita e incapaz de expressar quem você é.